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Foto do escritorDerek F. Magalhães

Conquistando o Norte Canadense: Pilotando até Yellowknife, Territórios do Noroeste


Quando comprei meu avião em agosto de 2022, o objetivo era acumular horas PIC (Pilot In Command - Piloto Em Comando) para minha licença de piloto de linha aérea canadense. Pensei que seria mais desafiador e recompensador fazer algumas viagens de longa distância em vez de apenas voar ao redor da cidade onde moro, Winnipeg MB. O Canadá, sendo o segundo maior país do mundo, certamente oferece vários destinos e paisagens bem diferentes.


Entrei em contato com Tyler, um piloto amigo meu desde os primeiros dias na escola de aviação. Não nos víamos há anos, então decidi visitá-lo voando para Edmonton.


Eu não estava muito familiarizado com a província natal de Tyler, Alberta. Trocamos algumas ideias sobre onde fazer alguns voos panorâmicos. O Parque Nacional Jasper e as Montanhas Rochosas eram a primeira opção, no entanto, o vento estava previsto para ser forte e a turbulência provavelmente tornaria o voo desagradável. Tyler então mandou uma mensagem:

“Slave Lake é um bom aeroporto... Podemos continuar indo para o norte, para os Territórios do Noroeste, só para dizer que fomos lá.”

Era uma ideia intrigante. Adicionar 285 milhas náuticas (530 quilômetros) à viagem apenas para dizer que estivemos em um território canadense certamente valeria o título de expedição.


"Vamos fazer isso!" – eu disse empolgado e porque eu realmente precisava das horas de qualquer maneira.


PLANEJANDO UMA EXPEDIÇÃO


A ideia evoluiu de apenas pousar em um aeroporto nos Território do Noroeste (NWT - Northwest Territories) e voltar para Edmonton no mesmo dia para uma viagem completa e pernoite em Yellowknife, a capital dos NWT. Lá tinha atrações decentes que valem a pena visitar. A cidade também teve um significado especial para mim e minha família, minha prima foi aluna internacional lá e isso me influenciou em escolher imigrar para o Canadá.


Ao planejar esta viagem, eu tinha dois grandes desafios a considerar: clima e isolamento geográfico.


  1. Clima: Em meados de outubro, as temperaturas nos NWT já estavam quase congelando e a previsão era de que Yellowknife ficasse em torno de 0 °C. Embora ainda seja "morno" para o inverno rigoroso que está por vir, existe o perigo da formação de gelo em aeronaves. Por ser um avião pequeno, meu Piper Cherokee não possui nenhum sistema para combater esta ameaça. Encontrar gelo pode ser perigoso no ar e, se acontecesse no chão, ficaríamos presos onde aterrissamos - imagina só o que aconteceu.

  2. Isolamento: Com 1,3 milhão de quilômetros quadrados, os NWT são apenas um pouco menores que a Mongólia. No entanto, apenas 40.000 pessoas vivem lá e metade delas está em Yellowknife. Como resultado, não há muitas comunidades, estradas ou aeroportos para pousar. A avaliação de risco deve estar na mente de todos os pilotos em todos os voos. Para este voo especificamente, fiquei me perguntando “se tivéssemos uma falha de motor e tivéssemos que fazer um pouso de emergência, estaríamos isolados da civilização? Poderíamos sobreviver até o resgate chegar? Para aumentar nossas chances de sobrevivência neste pior cenário, decidimos seguir pelas poucas rodovias existentes nos NWT. Se tivéssemos uma emergência, simplesmente pousaríamos na rodovia e seríamos encontrados pelo tráfego. Também trouxe tanques de combustível portáteis para colocar dentro do meu avião, eles podiam armazenar até 2 horas de combustível para maior flexibilidade em nossa viagem – como sempre digo, nunca confie no norte canadense.

O itinerário era o seguinte:

DIA 1

Deixar Winnipeg (CYAV), minha base, e encontrar com Tyler no aeroporto Edmonton Villeneuve (CZVL), paradas de combustível nos locais mais convenientes ao longo do caminho.


DIA 2

Saída de Edmonton e chegar em Yellowknife no final do dia. Paradas em Slave Lake, Peace River, High Level e Hay River.


DIA 3

Partir Yellowknife e voltar à Edmonton para deixar Tyler. Paradas em Fort Smith e Fort McMurray no caminho.


DIA 4

Retorno a Winnipeg, rota inversa do dia 1.


No total eram 2.600 milhas náuticas (4.800 quilômetros) ida e volta, longa jornada pela frente!


VOANDO AO NORTE


O tempo em Winnipeg estava ruim. Eu deveria partir no dia 13 de outubro (quinta-feira), mas era um dia IFR (Instrument Flight Rules - Regras de Voo por Instrumento) e estava previsto para continuar assim até domingo. Se fosse esse o caso, eu não poderia fazer a viagem, pois Tyler só tinha o fim de semana disponível devido ao seu trabalho. Por um milagre, os céus se abriram o suficiente para que eu pudesse fazer uma partida VFR (Visual Flight Rules - Regras de Voo Visual).

O começou a minha jornada de pilotagem mais longa!


Ao chegar à parte oeste de Manitoba, o tempo havia melhorado e o voo tornou-se suave. Eu estava usando meu iPad para a rota mais eficiente para Edmonton e fiz uma parada de abastecimento em Wynyard SK usando meus tanques portáteis. Também parei em Vermillion AB para abastecer, eles tinham um preço de combustível atraente. Obrigado pela informação Foreflight!

Vermillion é um aeroporto interessante, eles tinham um silo de grãos a 4.300 pés perfeitamente alinhado com a pista 10. Este aeroporto nunca terá uma aproximação IFR!

À meia-noite cheguei ao aeroporto de Edmonton Villeneuve. Fui recebido por Tyler e fiquei em sua casa nos arredores de Edmonton. No início da manhã de sábado, estávamos de volta ao aeroporto fazendo os preparativos finais antes da expedição. Jasmine, uma amiga de Tyler, se juntou a nós para nossa viagem. Partimos com combustível cheio, 5 horas de autonomia e 2 horas extras nos tanques portáteis. Estava ansioso para chegar num destino tão longe!

Seguimos rumo ao norte, a paisagem urbana começou a mudar gradualmente para cidades cada vez menores, mais fazendas e, eventualmente, alcançamos as florestas que estavam em sua metamorfose de outono. Para economizar tempo, decidimos apenas sobrevoar Slave Lake. Queríamos chegar cedo a Yellowknife para aproveitar ao máximo o tempo e explorar a cidade. Aterrissamos em Peace River para esticar as pernas, verificar os níveis de combustível manualmente e usamos metade dos tanques de combustíveis portáteis.

Ao norte de Peace River, a paisagem começou a mudar. Havia menos fazendas e mais matas. Elas pareciam um cinza escuro deprimente, um sinal das terras desoladas do norte para as quais estávamos prestes a entrar? Estávamos brincando tentando localizar a fazenda mais ao norte do Canadá, provavelmente quando estávamos voando sobre High Level. Optamos por não parar e ir diretamente para Hay River com objetivo de economizar tempo.

Foi após High Level que nuvens baixas nos obrigaram a voar em baixas altitudes. A altitude é a grande aliada de qualquer piloto, em caso de emergência ela lhe dá tempo e opções. Como estávamos restritos a voar baixo, seguimos religiosamente a Rodovia 35 em direção ao norte. Se algo acontecesse, a rodovia seria uma possível pista de pouso. Também tivemos o bom benefício de receber a saudação adequada ao cruzar a fronteira para os Territórios do Noroeste!

Nunca imaginei que estaria quebrando meu recorde de latitude em meu próprio avião e havia mais motivos para comemorar. Pouco depois de entrar nos NWT, tivemos as incríveis vistas das Cataratas de Alexandra no cânion do Hay River.

Continuamos seguindo a estrada até a cidade de Hay River. Aterrissamos e eu estava prestes a estacionar perto do tanque de combustível, mas o cara do aeroporto gentilmente me informou que a bomba de combustível não era self-service. Não era o fim do mundo, eu tinha verificado os preços dos combustíveis anteriormente e o combustível aqui era consideravelmente mais barato do que em Yellowknife. Então li na placa algumas das palavras mais tristes da minha vida: “taxa de chamada de 150 dólares”. O combustível ali já não era mais um bom negócio.


Eu sabia que fazer uma longa viagem de avião seria caro, mas gosto de economizar dinheiro quando isso não afeta a segurança. Eu verifiquei os níveis de combustível, adicionei o restante nos tanques portáteis, fiz algumas contas e os números eram claros: ainda podemos chegar a Yellowknife com uma boa reserva de segurança!


E assim, decolamos na pista 32 em direção ao Great Slave Lake. Yellowknife estava no outro lado do lago, mas era simplesmente grande demais para sobrevoá-lo legalmente. Existem regulamentos para voar sobre a água e, basicamente, se você não pode planar até a costa, não deveria estar voando tão longe! Mudamos o curso para seguir a margem oeste do lago até nosso destino.

Ao sobrevoá-lo, meus passageiros não gostaram quando mencionei que este era o lago mais fundo da América do Norte. Nem quando eu disse que se caíssemos e nossos corpos não afundassem, iríamos visitar o Oceano Ártico de graça, pois eles seriam carregados pela correnteza rio abaixo. Sempre há uma perspectiva positiva!


Após uma hora e meia conseguimos avistar Yellowknife aparecendo em meio às nuvens à frente. Foi um alívio ver esta cidade brilhando no horizonte depois de tantas áreas isoladas que sobrevoamos, um verdadeiro farol de civilização na terra do nada!

Aterrissamos em uma das enormes pistas do aeroporto e seguimos direto para o FBO (Fixed Based Operator - terminal para aeronaves privadas) para estacionar o avião e deixá-lo passar a noite na rampa. Chegamos bem a tempo de pegar um carro alugado no aeroporto antes que a locadora fechasse. Fizemos a viagem e agora a cidade era nossa para explorar!

A placa de carro mais legal do Canadá.


LUZES NO CÉU

As necessidades vieram primeiro e todos nós comemos um hambúrguer de bisão para comemorar a viagem antes de ir para o hotel. A proporção de gravy* para batata frita era extraordinariamente alta no The Monkey Tree Pub.

Gravy - Molho de carne muito comum no Canadá. É ingrediente no mais famoso lanche canadense, o poutine.


À noite estávamos descansando no hotel, mas Tyler não parava de falar que queria ver a aurora boreal. Verificamos a previsão e havia 45% de chance de vê-la. “Tudo bem, vamos sair da cidade para ter uma vista melhor”, eu disse.


Dirigimos pela Rodovia 4 até o Yellowknife River Park e de lá avistamos a aurora boreal. Ao passar do tempo a aurora verde ficou cada vez mais nítida até um nível moderado e permaneceu por 1 hora no céu noturno claro. Entendo porque os turistas, principalmente os japoneses, gastam de 10 a 15 mil dólares para vir e presenciar essas luzes no inverno. De acordo com a cultura deles, a aurora boreal aumenta a chance de boa sorte e de um bebê nascer menino. Esta foi a principal atração da nossa viagem, voltamos para o hotel e planejamos uma partida às 10 da manhã de volta para Edmonton.

LÁ VEM A NEVE


Quando acordei às 7h30, meu primeiro instinto foi abrir a janela e olhar para fora. O sol ainda não havia nascido, a cidade estava escura, mas coberta de branco – havia nevado durante a noite. “O avião está congelado!” Certamente não poderíamos deixar a cidade pela manhã.

Eu verifiquei a previsão do tempo e com certeza, era para esquentar até 2°C à tarde, então o gelo deveria derreter até lá. Liguei para o FBO para dizer que partiríamos à tarde devido ao tempo. Tínhamos pouca visibilidade, tetos baixos, uma manhã de vento e um avião congelado – a oportunidade perfeita para explorar a cidade pela manhã!


Partimos primeiro para o Monumento dos Bush Pilots (Bush Pilot - termo para pilotos que voam nas áreas remotas). Não muito longe do centro da cidade, o monumento fica em uma rocha com vista para a base dos hidroaviões e as icônicas casas-barcos encontradas na baía de Yellowknife. O monumento foi erguido para homenagear os pilotos que voaram em condições incrivelmente difíceis para conectar Yellowknife com o restante da civilização. Sobrevoar todo esse isolamento geográfico já é um desafio hoje, imagine fazê-lo nas décadas de 1920 e 1930…

O monumento está perfeitamente situado entre Old e New Yellowknife. Ao norte avistamos as casas mais antigas da vila enquanto a sul avistamos os edifícios no centro da cidade. O cenário era bonito, Yellowknife fica no escudo canadense, uma formação geológica com vários leitos rochosos expostos na superfície. Como resultado, as estradas por onde passamos são bem irregulares e a arquitetura local reflete isso.


Nossa próxima parada foi o Prince of Wales Northern Heritage Centre. A entrada era gratuita e incluía exposições sobre a história dos povos locais dos NWT, a expansão do governo no Canadá na região e a vida selvagem local. Esta é definitivamente uma visita obrigatória se você estiver na cidade. Também visitamos a Assembleia Legislativa localizada bem ao lado.

No geral, Yellowknife foi uma mudança bem-vinda de cenário no meio de todas as terras remotas. A cidade tinha mais comodidades do que eu esperava: concessionárias de automóveis, redes como McDonalds e Starbucks e supermercados completos. Talvez esse seja o resultado da riqueza oriunda de todas as minas de ouro e diamante ao redor da cidade? Ainda mais surpreendente foi que os preços dos alimentos são os mesmos em comparação com as principais cidades canadenses. No norte de Manitoba, para onde viajo a trabalho, a história é completamente diferente.

A prova definitiva de que os canadenses moram em iglus.


Por mais que gostássemos desta cidade de 20.000 habitantes, havia muito céu para percorrer e tínhamos que começar a voltar para Edmonton.


DESCONGELANDO O AVIÃO


Voltamos ao aeroporto às 15:00 e encontramos o avião coberto de gelo. A hélice, cauda e metade das asas tinham uma camada de gelo da nevasca anterior e a temperatura era de 0°C. Todas essas são superfícies críticas e decolar com contaminação por gelo seria perigoso e ilegal. Existem diferentes maneiras de descongelar uma aeronave, mas elas se tornam caras quando você usa fluidos de descongelamento ou paga para que a aeronave entre em um hangar aquecido.


Enquanto tentava economizar dinheiro, esperava que as temperaturas acima de zero e o sol ajudassem a fazer o trabalho, mas isso não estava acontecendo rápido o suficiente. Uma solução simples e econômica foi encontrada pelo agente do FBO: muitos cabos de extensão e uma pistola de calor! Em seguida, comecei a derreter e secar todo o gelo nas superfícies críticas. Mais uma vitória por possuir um avião pequeno e de asa baixa!


Demorou uma hora, mas economizei centenas de dólares usando esse método que os pátios de descongelamento não querem que você saiba.


VIAGEM DE VOLTA

O tempo havia melhorado o suficiente para uma partida VFR de Yellowknife. Tínhamos uma camada de nuvens baixas e, como não podíamos subir muito, descartamos a ideia de seguir a costa leste do Great Slave Lake até Fort Smith. Aquele lado do lago não tem estrada ou qualquer vestígio de civilização, se as nuvens baixassem ou tivéssemos uma emergência estaríamos em uma situação difícil. Portanto partimos da cidade no sentido oeste seguindo a rodovia na mesma rota que viemos no dia anterior.


Uma hora rumo ao sudoeste, voamos através de céus claros sob os raios quentes do sol - uma mudança bem-vinda! Voamos diretamente para High Level para fazer uma parada de combustível enquanto testemunhamos o pôr do sol no caminho, assim que cruzamos a fronteira para Alberta. Tínhamos telefonado para a empresa de abastecimento com antecedência para alertá-los sobre nossa parada de combustível. Na aterrissagem tivemos um atraso de uma hora, pois era o primeiro dia de trabalho do abastecedor e havia alguns problemas com a máquina de combustível. Uma vez que as coisas foram feitas, fizemos um voo noturno direto de volta para Edmonton Villeneuve, chegando à meia-noite. Tyler e Jasmine chegaram em casa em um horário razoável para trabalhar no dia seguinte.


Eu deveria voltar para Winnipeg na tarde seguinte, mas primeiro tive que fazer uma parada no marco mais icônico da cidade:

O West Edmonton Mall é o maior shopping da América do Norte e tem de tudo: pista de patinação no gelo, parque aquático, campo de tiro, minigolfe, aquário, hotéis e um montante de lojas. Meu único objetivo na visita, no entanto, era comprar alguns eletrônicos e aproveitar a falta de imposto sobre vendas de Alberta - é minha província canadense favorita por um bom motivo!

No final da tarde, parti do aeroporto Edmonton Villeneuve seguindo a rota VFR panorâmica que seguia ao norte do centro de Edmonton e sobrevoava o antigo aeroporto Edmonton City Center.


O restante do voo para Winnipeg transcorreu sem problema algum. Fiz paradas para reabastecimento em Vermillion AB e Dauphin MB.


FIM DAS CONTAS

No total, registrei 27,4 horas nesta viagem de quatro dias até o meu destino mais distante até agora. Foi ótimo realizar esta expedição, voar para um dos territórios do Canadá e estabelecer um novo recorde de latitude norte. As vistas das terras e lagos intocados eram impressionantes.


Se eu tivesse que mudar uma coisa com esta expedição, seria fazê-la durante o verão ou início do outono, a fim de obter um clima melhor e não ter que me preocupar com gelo (ou carregar uma pistola de calor comigo!). Ouvi dizer que Yellowknife tem boas trilhas para caminhadas e pesca. Além disso, fiz algumas contas e com a ajuda de alguns galões e planejamento adequado, seria possível voar meu avião além da linha das árvores e entrar no círculo ártico! Talvez uma ideia de viagem para um verão futuro?


Independentemente disso, um jeito muito melhor de ganhar minhas horas de voo do que apenas voar ao redor de minha cidade!

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